me vi um dia atravessando altíssimas montanhas sobre um slackline.
na verdade, essa foi a sensação causada. aconteceu assim: no picadeiro de um circo esquecido e desbotado qualquer havia uma corda bamba e eu haveria de atravessá-la segurando um bastão. e desta vez não era exatamente o medo que me acompanhava como um fiel escudeiro. era a graça da resignação.
olhei em toda volta e existia um você lá embaixo. aquele você estava agarrado a uma das pontas da rede que iria me segurar se eu desequilibrasse. e aquele você, olhando pra cima, sustentava o sorriso que me acolhia de vez em quando, nos dias muito raros em que você se declarava.
me dei conta, como se fosse a maior novidade do mundo (como o dia em que o pequeno aureliano buendía descobriu o gelo), que a rede tinha outras 3 pontas.
algumas nuances me fizeram perceber que se me apoiasse demais na ponta que tinha o você, eu poderia cair. e eu não poderia simplesmente gritar para que você segurasse a porcaria da rede mais firme, porque seria a mesma coisa que você pedir pra eu não ir embora. era injusto.
não era óbvio que eu iria me apoiar no meio da rede, ou nas outras três pontas?
e foi isso mesmo que eu fiz. perdendo noites trabalhando e ocupando o tempo que eu deveria dedicar ao lazer, a inventar empreendimentos que me fizessem ir embora daqui, para o que eu chamaria de nova etapa na vida. a verdade é que a gente sempre dá a desculpa que precisa ir embora pra ir se buscar, quando sente que a bateria já está no vermelho e tudo parece encher o saco demais.
eu só não queria mais ver seu rosto quando escuto músicas bonitas, sentir a sua pele toda quentinha quando preciso me aquecer, ver seu sorrisinho na av. paulista, me carregando quando o sapato machuca o pé (e isso acontece sempre).
porque se eu decidir cair nos teus braços, corro o risco me espatifar no chão em mil estrelinhas de lantejoula para o infinito, para nada, para lugar algum.