- Compre aqui! Temos de vários tipos: grande, médio, pequeno! A intensidade fica à escolha do freguês! É baratinho! Compre aqui teus sentimentos!
"O comércio da China está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia..." pensava Ernesto enquanto caminhava pelo centro da cidade. Aquele pequeno estande surrado em meio a tantos outros era o que mais chamava atenção. Um senhor todo canastrão vendia produtos chineses, lá a mão de obra está muito barata, o preço das mercadorias cai exponencialmene. "Este mundo globalizado permite até que seja possível vender sentimentos embalados numa caixinha. Mas que bobagem!" Por pura curiosidade, Ernesto foi dar uma checada nessas tais caixinhas que continham sentimentos.
- Olá, meu jovem rapaz! Que falta em tua vida? Paixão? Satisfação? Ou a misteriosa felicidade? Diga-me, rapaz, aqui temos de tudo! Tudo o que teus sonhos permitirem!
- Ah, obrigado. Só estou dando uma olhada...
- Não te demores muito, a vida passa enquanto tu pensas. E quando vais ver, pluft! Já se foi. E estarás dentro dum caixão lamentando-te de não ter aproveitado.
Ernesto sentira uma pontada no coração. Havia tantos anos que procurava algo, sem saber ao certo o que, que pudesse preenchê-lo por dentro. Sentia-se muito vazio. Mas era um homem ocupado demais pra pensar nessas bobagens sentimentais.
Era sexta à noite, dia de cervejada com os amigos após um cansativo dia de trabalhos acadêmicos e remunerados. Perdera-se em meio a devaneios entre uma caneca de chopp e outra, quando fora interrompido subitamente por um relato de um de seus amigos.
- ... E aí, cara, eu comprei aquela caixinha, comprei sim. Aquela que tinha paixão! Quando eu abri, cara, meu mundo mudou! Me apaixonei por uma moça muito bonita e ela por mim. Resultado: estou namorando!
- Simples assim? Mas dá certo mesmo? - perguntou Ernesto, denotando uma pontinha de interesse.
- Oh, sim! Acho que você deveria experimentar, Ernesto. Deveria sim.
No dia seguinte, aquele estande no centro da cidade estava chamando mais atenção do que de costume, deveria ser o interesse de Ernesto guiando-o para adquirir uma daquelas caixinhas enigmáticas, que lhe prometiam o que desejasse.
- Ah, então resolveste voltar, meu jovem rapaz?
- Vou levar algo.
- Que desejas? Chegaram novos sentimentos hoje pela manhã e...
- Quero apenas a felicidade. Favor, me vê uma tamanho grande.
- Oh, mas que determinação, rapazinho! Custará apenas a ninharia de 50 mangos.
Ora, 50 reais não é um custo tão alto a se pagar se os resultados forem satisfatórios.
Chegando em casa, abriu a caixinha. Sentou-se no sofá e esperou. Esperou. Esperou um dia. Esperou uma semana. Esperou um mês. Atrasou o aluguel, atrasou todas as contas, faltou no trabalho, perdeu provas na faculdade. Mas, oras, o que estaria acontecendo? Onde estava a felicidade prometida? Fora despejado, perdera o ano letivo, fora demitido.
Não tendo mais para onde ir, sentou-se na sarjeta, perplexo. Não sabia o que estava acontecendo, não sabia o que fazer. Encontrou um velho amigo que estava passando na rua. Começaram a papear e Ernesto contou-lhe a desgraça a que se submetera ao comprar a maldita caixinha da felicidade.
- Ernesto, - disse o amigo - já dizia meu avô: "não coma gato por lebre", você se deixou enganar. Com dinheiro você pode comprar qualquer coisa, pode comprar uma bela casa com piscina, compra amigos e até um amor. Mas, Ernesto, você não pode comprar a felicidade. Ninguém pode. A felicidade é uma trajetória, não um objetivo.
Naquela tarde, Ernesto teve falência múltipla de sentimentos.
(2007)